quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Sociedade Anônima de Futebol e os desafios tributários dos clubes brasileiros.

Independentemente do nível de profissionalização, os clubes permanecem vítimas do desafiador ambiente tributário brasileiro.

É de conhecimento público que os clubes de futebol têm um grande volume de dívidas de natureza tributária e previdenciária. Historicamente, por se organizarem sob a forma de associação civil sem fins lucrativos, tornou-se lugar-comum atribuir o passivo à gestão amadora que por muito tempo prevaleceu nas agremiações.

Embora parte das contingências, de fato, possa ser explicada pelo modelo de gestão amador, a verdade é que os clubes, assim como os contribuintes em geral, sofrem com a complexidade da legislação tributária brasileira.


Um exemplo nesse sentido são as discussões, em âmbito municipal, relacionadas à incidência ou não do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre receitas decorrentes de propaganda, patrocínio e licenciamento. Já na esfera federal, um contencioso relevante se formou sobre a aplicação aos clubes da isenção em matéria de Imposto de Renda (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a entidades sem fins lucrativos.

Resumidamente, de acordo com as autoridades fiscais, determinadas atividades exercidas pelos clubes seriam incompatíveis com a ausência de fins lucrativos, o que acarretaria a incidência de IRPJ e CSLL, por exemplo, sobre receitas de negociação de atletas, direitos de transmissão, bilheteria, patrocínio etc.

Outra situação relevante são as contratações internacionais de jogadores, seja por clubes organizados sob o modelo associativo, seja por aqueles no formato de Sociedade Anônima do Futebol (SAF).

Para o advogado especialista em direito desportivo Eduardo Tancler Ambiel, sócio do Tancler Ambiel Advogados, “a nova lei procurou trazer um regime de tributação próprio (TEF), cujo recolhimento mensal, se dará mediante documento único de arrecadação, concernente ao IRPJ, PIS-PASEP, CSLL, COFINS, dentre outros” E complementa que: “a legislação tenta dar fôlego ao clube empresa, à medida que nos primeiros 5 (cinco) anos, a arrecadação é de 5%, sendo que a partir do sexto ano, a alíquota é reduzida para 4% (quatro por cento)”.

Isso porque, ao realizar pagamentos para o exterior para contratação de atletas, a Receita Federal do Brasil entende que os clubes devem reter o Imposto de Renda sobre o montante total remetido, aplicando uma alíquota de 15% (ou de 25%, se o beneficiário estiver em paraíso fiscal, como os Emirados Árabes), nos termos dos artigos 18 e 19 da Instrução Normativa nº 1.455/14.

Tal dispositivo é interpretado literalmente pelas instituições financeiras responsáveis por intermediar as operações de câmbio, as quais, em observância ao artigo 774 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/18), exigem de seus clientes nesses tipos de transação “prova do pagamento do imposto sobre a renda [considerado] devido”.

Embora juridicamente o contribuinte seja a parte domiciliada no exterior, na prática, contratualmente, esse ônus é arcado pelo remetente (o que implica, inclusive, no reajustamento da base de cálculo ao apurar o valor devido), representando, portanto, um custo adicional para o clube brasileiro. Ocorre, porém, que a referida tributação sobre o montante total remetido para a aquisição de direitos econômicos é questionável.

Ainda que o ônus seja assumido pelo remetente, a situação deve ser analisada sempre sob a perspectiva do vendedor. Nesse sentido, para o beneficiário no exterior, o valor recebido na venda de direitos econômicos não constitui um rendimento (situação que ocorreria, por exemplo, no pagamento pela cessão de jogador por empréstimo), mas sim preço de um bem intangível.

Sem entrar no mérito da própria competência para tributar, a incidência do Imposto de Renda nessas circunstâncias pressupõe no mínimo a existência de um ganho que represente acréscimo patrimonial, nos termos do artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN). Esse, inclusive, é o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ao analisar situação análoga, envolvendo a cessão de direito creditório por pessoa física, concluiu que “a tributação ocorrerá se e quando houver ganhos de capital por ocasião da alienação do direito” (AgInt no REsp 1.716.443/RJ).

Acontece que em várias situações relativas a pagamentos ao exterior não há ganho ou o ganho é significativamente inferior ao valor bruto remetido, o que significa que, nesses casos, os clubes têm recolhido imposto em excesso. Por exemplo, imagine a venda de um jogador para um clube na Europa por R$ 50 milhões, que posteriormente é repatriado por um clube brasileiro, o qual compra seus direitos econômicos por R$ 30 milhões. Considerando que o ônus do imposto seja arcado pela fonte, ao remeter os R$ 30 milhões, seria exigido do clube brasileiro um montante total de R$ 5.292.000,00 sobre operação, embora o clube europeu tenha tido uma perda.

Apesar da questionável legalidade dessa cobrança, na prática, por diversos motivos, o pagamento do Imposto de Renda na fonte tem sido feito de forma automática no momento da remessa, sem suscitar maiores debates. Em muitas ocasiões, a ausência de informações referentes à apuração de ganho pelo vendedor é o fator que dificulta ações no sentido de buscar maior eficiência.

Além disso, outro aspecto relevante é que o tratamento tributário aplicado deve ter a concordância da instituição financeira responsável pela liquidação do contrato de câmbio, caso contrário ela poderá se recusar a fazer a remessa, restando ao clube tão somente realizar o recolhimento do Imposto de Renda sobre o valor bruto da operação ou se socorrer junto ao Judiciário.

Pode-se concluir, portanto, que independentemente do nível de profissionalização, os clubes permanecem vítimas do desafiador ambiente tributário brasileiro, exigindo dos seus gestores atenção a todas as particularidades dos negócios envolvendo o futebol.

Fonte: Tancler Ambiel, Valor Econômico.
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