domingo, 17 de dezembro de 2023

A nova incorporação de conjunto de casas isoladas ou geminadas na lei 14.382

A incorporação do conjunto de casas geminadas ou isoladas veio em boa hora para dar mais uma opção segura ao desenvolvimento imobiliário e habitacional do país, aproximando o cidadão brasileiro da efetivação do direito de moradia.

A nova lei 14.382 de 2022 dá destaque à modalidade de incorporação imobiliária prevista no art. 68 da lei 4.591/64 (Lei de Incorporação Imobiliária) que vem atraindo a atenção tanto dos empresários quanto dos advogados e registradores da área.


Trata-se da incorporação imobiliária para construção de conjuntos de casas isoladas ou geminadas, prevista no art. 68 da Lei 4.591 de 1964, cuja redação foi alterada para adequação às demandas atuais. Veja-se a nova redação:

A atividade de alienação de lotes integrantes de desmembramento ou loteamento, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas, promovida por uma das pessoas indicadas no art. 31 desta lei ou no art. 2º-A da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, caracteriza incorporação imobiliária sujeita ao regime jurídico instituído por esta Lei e às demais normas legais a ele aplicáveis.

§ 1º A modalidade de incorporação de que trata este artigo poderá abranger a totalidade ou apenas parte dos lotes integrantes do parcelamento, ainda que sem área comum, e não sujeita o conjunto imobiliário dela resultante ao regime do condomínio edilício, permanecendo as vias e as áreas por ele abrangidas sob domínio público.

§ 2º O memorial de incorporação do empreendimento indicará a metragem de cada lote e da área de construção de cada casa, dispensada a apresentação dos documentos referidos nas alíneas e, i, j, l e n do caput do art. 32 desta Lei.

§ 3º A incorporação será registrada na matrícula de origem em que tiver sido registrado o parcelamento, na qual serão também assentados o respectivo termo de afetação de que tratam o art. 31-B desta Lei e o art. 2º da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, e os demais atos correspondentes à incorporação.


§ 4º Após o registro do memorial de incorporação, e até a emissão da carta de habite-se do conjunto imobiliário, as averbações e os registros correspondentes aos atos e negócios relativos ao empreendimento sujeitam-se às normas do art. 237-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos)." (NR)

Uma incorporação que não gera um condomínio. Essa incorporação se distingue das demais reguladas pela lei 4.591/64. Isto porque, diferentemente da incorporação para implantação de prédio, grupo de prédios, casas ou de terrenos (lotes enquanto unidades autônomas), as casas isoladas ou geminadas que compõem o conjunto não se sujeitam ao regime condominial especial, pois são dotadas de autonomia, que assegura sua fruição independente da existência de serviços comuns ou de partes comuns que as interliguem, tendo cada uma delas acesso direto às vias públicas de circulação e outras áreas atribuídas ao domínio público.

Não obstante a inexistência do organismo social condominial, nada impede que o empreendedor ou os seus moradores organizem-se sob a forma de associação de moradores prevista no art. 36-A1 da lei 6.766.

Objeto da incorporação: comercialização de casas caracterizada pela venda de terreno vinculada à construção da unidade imobiliária. O que caracteriza a incorporação do conjunto de casas é a venda de futuras unidades imobiliárias que serão independentes - independentes porque não haverá entre elas o regime condominial, sequer áreas em comum. Na oferta pública da incorporação do novo art. 68 vende-se o lote de terreno e a futura acessão (construção) de maneira conjunta, pois ambos, terreno e construção, são integrantes da unidade imobiliária à venda na incorporação que será concretizada.

Natureza residencial ou não residencial. Embora a lei fale de casas, é sabido que toda a 4.591 ao falar de casas não se refere somente ao uso residencial, sendo admitido o seu uso também não residencial. Assim, poderá ser admitido o uso misto ou não-residencial, além evidentemente do residencial, conforme o zoneamento e demais regras municipais para tal empreendimento.

Prévio registro do loteamento. O novel artigo 68 fala que tal incorporação será sobre lotes integrantes de desmembramento ou loteamento. Por uma leitura literal, é necessário que os lotes em que tais casas serão construídas tenham sido regularmente fruto de um parcelamento do solo urbano previamente ao registro da incorporação. Pelo princípio da continuidade registral, o empreendedor, após aprovar o parcelamento, deverá registrá-lo, na forma do artigo 18 da lei 6.766/79 (Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano), para, em um lote ou mais oriundos desse parcelamento, desenvolver a incorporação nos moldes do artigo 68 da 4.591.

Aspecto interessante é que a incorporação poderá ser registrada na matrícula mãe do loteamento em face de parte (ou totalidade) de seus lotes, mesmo antes do Termo de Verificação de Obras emitido, o que também poderá dialogar com as disposições municipais nesse sentido.

Caso abertas matrículas dos lotes destinados à incorporação, nelas poderá ser averbada notícia mencionando a existência do registro da correspondente incorporação na matrícula mãe. Concluídas as construções, serão averbadas em cada uma das matrículas dos lotes.

Lote stricto senso? Ainda sobre a expressão loteamento e desmembramento do texto legal do artigo 68, alternativamente, pode-se ler de maneira mais abrangente a expressão desmembramento do texto legal, para aqui também se admitir a incorporação sobre lotes frutos de um desdobro, que não tenha exigido o registro especial do art. 18 da 6.766. Não faria sentido a interpretação stricto senso, já que o desdobro é também forma de desmembramento (vide 167, II e 176, §3º ambos da Lei 6.015).

Do ponto de vista do direito imobiliário e urbanístico, a preocupação tem de ser com o atendimento das condições urbanas para tal empreendimento. O município, ao aprovar o projeto objeto da incorporação reconhece por tal ato que há os equipamentos urbanos (infraestrutura) e comunitários (caso necessário) condizentes com as casas a serem construídas, sendo portanto menos importante a forma de fracionamento da propriedade anterior para que tal incorporação se concretize (como sabido, em muitos centros urbanos há "lotes" com infraestrutura adequada que não foram objeto de loteamento e desmembramento).

Em visão mais abrangente, portanto, a expressão "lotes" poderia ser substituída por terrenos com infraestrutura aptos à futura construção (art. 2º e parágrafos da 6.766), entrecortados pelas vias públicas de acesso.

Benefícios típicos da incorporação. Por ser uma incorporação imobiliária, a atividade descrita no art. 68 poderá ser submetida ao regime do patrimônio de afetação, com o benefício ao empreendedor do regime especial de tributação (RET). Também de se admitir a possibilidade de desistência (art. 34 da 4.591) e o faseamento, lançando o empreendimento por etapas.

Novas figuras do incorporador. A lei 4.591 elenca quem pode ser o incorporador em seu artigo 31. Mas para essa modalidade há uma novidade, admitindo-se também como incorporador os empreendedores descritos no artigo 2-A da Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano. Com isso, se permite que o parceiro de terrenista possa ser o incorporador desses lotes, sem a necessidade de vínculo dominial cuja lógica domina o artigo 31 da 4.591. Evidentemente que, nesse caso, o parceiro precisará da procuração com os poderes adequados para a incorporação sob mandato.

Diálogo com a legislação municipal. Os municípios poderão ter normas próprias para esse tipo de empreendimento, de modo que uma única licença possa abarcar a construção de todas as casas. E mais, é possível que haja hipótese legal de um parcelamento do solo urbano com essa licença de construção, na atipicidade da competência municipal para, sob o chapéu de sua Política Urbana, regular o uso, ocupação e parcelamento do solo urbano. Isto já ocorre em diversas cidades (ex. "urbanização integrada" em Salvador e Campo Grande). Cada legislação municipal demandará uma interpretação de melhor utilização, tal qual já ocorre hoje com empreendimentos do Casa Verde Amarela (Programa Minha Casa Minha Vida) em que são contratadas casas isoladas ou geminadas.

A incorporação do conjunto de casas geminadas ou isoladas veio em boa hora para dar mais uma opção segura ao desenvolvimento imobiliário e habitacional do país, aproximando o cidadão brasileiro da efetivação do direito de moradia.

Fonte: Migalhas.com.br

Rescisão do contrato de alienação fiduciária de imóveis não é permitida ainda que sem registro do termo no Cartório de Registro de Imóveis

A falta de registro do contrato de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária em garantia não dá ao devedor fiduciante o direito de promover a sua rescisão por meio diverso do pactuado, nem impede o credor fiduciário de, fazendo o registro, promover a alienação do bem em leilão, para só então entregar eventual saldo remanescente ao devedor, descontadas a dívida e as despesas comprovadas.

Em julgamento de embargos de divergência, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou o entendimento de que, ainda que o registro do contrato no competente registro de imóveis seja imprescindível à constituição da propriedade fiduciária de coisa imóvel, nos termos do artigo 23 da Lei 9.514/1997, sua ausência não retira a validade e a eficácia dos termos livre e previamente ajustados entre os contratantes, inclusive da cláusula que autoriza a alienação extrajudicial do imóvel em caso de inadimplência.


Na origem do caso, os compradores ajuizaram ação de rescisão do contrato e pediram a devolução dos valores pagos. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença de procedência da ação, por desistência imotivada dos compradores, com aplicação da Súmula 543 do STJ em detrimento do procedimento previsto na Lei 9.514/1997, diante da falta de registro da alienação fiduciária. O entendimento foi mantido pela Terceira Turma do STJ.

A credora entrou com os embargos de divergência apontando que a Quarta Turma, em caso semelhante, concluiu pela desnecessidade do registro, por entender que este tem apenas o objetivo de dar ciência a terceiros.

Ausência de registro não retira validade e eficácia do contrato

O autor do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que "o registro, conquanto despiciendo para conferir eficácia ao contrato de alienação fiduciária entre devedor fiduciante e credor fiduciário, é, sim, imprescindível para dar início à alienação extrajudicial do imóvel, tendo em vista que a constituição do devedor em mora e a eventual purgação desta se processa perante o oficial de registro de imóveis, nos moldes do artigo 26 da Lei 9.514/1997".

Ao citar precedentes do tribunal, o ministro lembrou que, mesmo sem registro, já foram reconhecidas a validade da hipoteca entre os contratantes e a legitimidade do compromissário comprador para a oposição de embargos de terceiro.

Reconhecimento da validade do contrato é favorável a ambas as partes

O ministro lembrou que esse reconhecimento da validade e da eficácia do contrato de alienação fiduciária, mesmo sem o registro, favorece ambas as partes. Segundo observou, uma vez constituída a propriedade fiduciária, com o consequente desdobramento da posse, o credor perde o direito de dispor livremente do bem. Nessa hipótese, somente se houver inadimplência do devedor, e após a consolidação da propriedade, respeitado o procedimento do artigo 26 da Lei 9.514/1997, o credor poderá alienar o bem.

Cueva destacou que o registro é indispensável para dar início à alienação extrajudicial do imóvel, tendo em vista que a constituição do devedor em mora e a eventual purgação desta se processam perante o oficial do registro imobiliário, nos moldes do artigo 26 da Lei 9.514/1997.

Para o ministro, contudo, essa exigência não confere ao devedor o direito de rescindir a avença por meio diverso daquele contratualmente previsto, não importando se era dele ou do credor a obrigação de registrar o contrato, pois o credor fiduciário sempre poderá requerer tal providência ao cartório antes de dar início à alienação extrajudicial.

Leia o acórdão no EREsp 1.866.844.

Fonte: stj.jus.br

terça-feira, 21 de março de 2023

Recuperação judicial invade o futebol brasileiro. Quais vantagens? E desvantagens?

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) deferiu o pedido de recuperação judicial do Sport nesta segunda-feira (20). Sendo assim, o Leão terá suas dívidas suspensas por 180 dias (6 meses), prazo esse para apresentar um plano de pagamento aos credores. A decisão foi assinada pelo juiz Rafael de Menezes.

Com o pedido aceito pelo TJPE, o Sport vai conseguir suspender o leilão da sede do clube, que estava previsto para acontecer nos próximos dias 28 e 30 de março, por causa de dez processos fiscais e trabalhistas. O valor do imóvel gira na casa dos R$ 400 milhões. Já os débitos com o Banco Central, Caixa Econômica Federal e Fazenda Nacional estão próximos dos R$ 8,6 milhões.

Dessa forma, o Sport se junta a outros dois times de Pernambuco que também entraram em processo de recuperação judicial recentemente, o Náutico e o Santa Cruz.

Nos últimos meses, a Justiça deferiu diversos pedidos de recuperação judicial de times do futebol brasileiro. Os clubes encontraram nesse mecanismo uma “solução” para os grandes endividamentos, que acabam atrapalhando no fluxo de caixa e impedem maiores investimentos esportivos.

A recuperação judicial é uma negociação entre devedor e credores mediada por juízes. Ela é bastante recorrente em empresas que estão quase quebradas, mas possuem alguma relevância social e econômica, e que, portanto, precisam achar um meio para reestruturar suas dívidas. No Brasil, esse sistema está previsto por meio da Lei 11.101, de 2005.


Para o advogado e especialista em direito desportivo Eduardo Tancler Ambiel, sócio do Tancler Ambiel Advogados, "a recuperação judicial é a maneira mais eficaz para os clubes renegociarem suas dívidas. Antes, a Lei de Falências e Recuperação Judicial vedava a modalidade recuperacional para clubes, fato este que ficou superado com a publicação da Lei da SAF, em 2021".

Complementa ainda aduzindo que o “stay period” – período em que ficam suspensas as cobranças e execuções do clube  devedor – é verdadeiro remédio para o clube conseguir se soerguer, sem deixar de lado a incumbência de solver seus débitos para com seus credores, que também se beneficiam, evitando a falência da atividade empresarial, que sem dúvidas, é atribuída hoje aos clubes de maneira patente, após a entrada em vigor da nova legislação.

Entretanto, nem tudo são flores, à medida que há riscos, como por exemplo, a restrição de créditos pelo período em que o clube permanecer em recuperação judicial e a possibilidade do juiz decretar a falência, caso os credores não aprovem o plano apresentado em assembleia de credores, complementa o advogado.

Fonte: Tancler Ambiel/Lei em Campo.

Imagem: Sport/Divulgação.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Decisões na justiça do trabalho condenam empresas, com base na LGPD

A Justiça do Trabalho tem condenado empresas a indenizar funcionários - e até revertido demissões por justa causa - por tratamento inadequado dos dados pessoais e violação à privacidade dos empregados. Os juízes vêm fundamentando as decisões com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A partir da norma (Lei nº 13.709, de 2018), as empresas passaram a ter o dever máximo de proteger os dados pessoais de clientes, fornecedores - e também dos trabalhadores. Há situações, como mostrou o Valor, em que a Justiça confirma a validade de demissões de funcionários que usam de forma indevida dados pessoais de clientes, violando a política de privacidade da companhia. Mas a situação inversa também tem ocorrido.

Em julgamento recente, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (4ª Região) anulou uma demissão por justa causa e ainda condenou uma construtora a pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais a um empregado que teve conversas trocadas pelo WhatsApp vistoriadas pelo empregador.

Ele fazia parte de um grupo de colegas de trabalho em que eram trocadas mensagens de cunho particular. A demissão ocorreu, segundo a empresa, porque nessas conversas o funcionário teria feito apologia a drogas e orientado colegas a apresentarem atestados médicos falsos ao empregador, o que o juiz de primeiro grau entendeu não ter ocorrido.

Os desembargadores, ao analisarem o caso, mantiveram a sentença no sentido de que houve violação à LGPD. Isso porque o empregado usava o aparelho particular para trocar as mensagens - e fora do horário de expediente. A empresa, segundo o processo, tomou conhecimento do conteúdo pelo celular corporativo usado por outro integrante do grupo.

“Para que as informações e dados pessoais obtidos de contas privadas possam ser mineradas e tratadas pelo empregador, é necessária autorização do titular, finalidade específica e chancelável”, afirmou, na sentença, o juiz que analisou o caso em primeiro grau, Mauricio Schmidt Bastos, da 3ª Vara do Trabalho de São Leopoldo. O trecho foi reproduzido no acórdão do TRT (processo nº 0020830-24.2020.5.04.0333).


Para Eduardo Tancler Ambiel, advogado e sócio do escritório Tancler Ambiel Advogados, “a LGPD cabalmente irá influenciar nos processos da justiça do trabalho, fato este que já vem ocorrendo. O judiciário na verdade, precisa sopesar e encontrar um equilíbrio, nesta linha tênue entre a possibilidade da juntada de provas como áudios e conversas de whatsapp nos processos judiciais, e se isso implica realmente em violação à proteção de dados dos funcionários”.

Também com fundamento na LGPD, uma varejista acabou condenada a indenizar uma funcionária. Ela teve o número do telefone pessoal divulgado no site de vendas da empresa.

A decisão foi proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (3ª Região). A empregada relatou, no processo, que chegou a receber ligações de clientes às 4 horas da madrugada (processo nº 0010337-16.2020.5.03.0074).

Fonte: Tancler Ambiel/Valor Econômico.

terça-feira, 7 de março de 2023

Regras e sanções da LGPD são publicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) - processos começam a ser julgados.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) pode começar a aplicar as sanções administrativas por violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que podem chegar a R$ 50 milhões. Por meio da Resolução nº 4, o órgão publicou ontem as regras para o cálculo das penas.

Em ao menos oito processos, a ANPD só esperava a edição dessas regras para aplicar as penalidades, como já havia apontado o diretor-presidente do órgão, Waldemar Gonçalves Ortunho Júnior. Após a entrada em vigor da Lei nº 13.709 (LGPD), em setembro de 2020, as fiscalizações começaram a ser realizadas - a ANPD já recebeu mais de 6,9 mil denúncias e 300 autodenúncias. Mas sem a chamada “dosimetria” das penas, as sanções administrativas não podiam ser aplicadas.

O que garante o efeito retroativo da Resolução nº 4 é o artigo 28 da norma. O dispositivo afirma que “as disposições constantes deste regulamento aplicam-se também aos processos administrativos em curso quando de sua entrada em vigor”.


Além de multa, segundo a Resolução nº 4, em caso de violação à LGPD, pode ser aplicada mera advertência, determinada a suspensão da atividade de tratamento de dados ou a obrigação de tornar pública a sanção, entre outras alternativas.

Para a ANPD determinar qual pena será imposta, a resolução traz a definição da infração pelo grau do dano: leve, média e grave. Será considerada média, por exemplo, se afetar direitos fundamentais dos titulares de dados pessoais ou impedir a utilização de um serviço, assim como ocasionar danos materiais ou morais aos titulares, como fraudes financeiras e discriminação.

No caso de aplicação de multa, para a definição do valor, além dessa classificação de gravidade da infração, a ANPD levará em conta elementos como o faturamento do infrator no último exercício disponível anterior à aplicação da sanção. Caso não esteja disponível a informação referente ao ramo de atividade em que ocorreu a infração, a autoridade considerará o faturamento total do grupo ou conglomerado de empresas no Brasil.

A condição econômica do infrator pode agravar a pena ou ser um atenuante. Outros possíveis atenuantes, conforme a nova norma da ANPD, seriam a não reincidência, a boa-fé do infrator e a vantagem auferida ou pretendida com a infração.

Grande número de pessoas envolvidas, risco e impacto maior na vida das pessoas com o tratamento de dados pessoais serão alguns critérios usados pela autarquia para decidir instaurar processos individualizados de fiscalização.

De positivo, o que os especialistas destacam da regulamentação é estar expresso que as demais agências reguladoras setoriais serão ouvidas pela ANPD para evitar entendimento distinto das autoridades. Lembram ainda que cabe recurso para discutir a sanção na esfera administrativa (Resolução nº 1, de 2021).

Há expectativa de que plataformas digitais em geral - mídias sociais e de comércio eletrônico -, o setor de telecomunicações, além do setor público, sejam os principais alvos de fiscalização neste primeiro momento.

Fonte: Tancler Ambiel/Valor Econômico.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Médicos derrubam na justiça alíquota que aumentava ISS em até 1000%.

Médicos paulistanos conseguiram liminar para derrubar a cobrança de ISS por meio de alíquota progressiva. A nova forma de cálculo foi instituída pelo município de São Paulo no fim de 2021 e, na prática, representaria aumento de carga tributária para a categoria, que poderia chegar a até 1.000%.

A liminar foi obtida na 18ª Turma do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) pela Associação Paulista de Medicina (APM). Essa é a segunda categoria profissional a obter decisão favorável. No ano passado, os advogados conseguiram voltar a pagar o imposto municipal pelo modelo anterior (apelação em mandado de segurança coletivo nº 1005773-78.2022.8.26.0053).

A discussão começou com a edição da Lei nº 17.719, de novembro de 2021. A norma mudou a forma de cálculo para as chamadas sociedade uniprofissionais - formadas por colegas de uma mesma profissão.

Pela lei anterior, de nº 13.701, de 2003, o pagamento de ISS era feito pela multiplicação de um valor fixo pelo número de profissionais. O modelo, porém, foi alterado pelo artigo 13 da norma.

A nova tributação deve observar a faixa de receita bruta mensal e multiplicar pelo número de profissionais habilitados na sociedade. A primeira faixa é de R$ 1.995,26, para até cinco profissionais habilitados. A última é de R$ 60 mil, para casos que superarem cem profissionais.

                          

O tema é relevante porque o ISS é um imposto muito importante para o município. Entraram para os cofres públicos, em 2022, R$ 25,24 bilhões - o que representa 43% da arrecadação tributária total, de acordo com a prefeitura.

No TJSP, o mandado de segurança ajuizado pela Associação Paulista de Medicina foi relatado pelo desembargador Marcelo Theodósio. Ele considerou que o Decreto-Lei nº 406 (norma federal), de 1968, determinou que o ISS de sociedades uniprofissionais deve ser calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores. No caso dos serviços médicos, o cálculo deve ser feito em relação a cada profissional.

“Não há como subsistir a alegação de que os serviços não seriam prestados em caráter pessoal, sob a responsabilidade direta dos sócios/associados, diante, inclusive, da própria natureza dos serviços prestados e da responsabilização pessoal de cada qual frente aos órgãos regulamentadores do exercício da profissão para atendimento do requisito legal”, afirma o relator do voto.

Para o desembargador, a alteração de valores fixos para faixas variáveis de receita bruta mensal presumida multiplicada pelo número de profissionais é “inadimissível”. Acaba por estabelecer, acrescentou, regra diversa da prevista na norma federal. “Não poderia a lei municipal alterar a base de cálculo e a forma de tributação estabelecida no Decreto-Lei nº 406/68”, afirma (processo nº 1024691-33.2022.8.26.0053).

A decisão, da 18ª Câmara de Direito Público, foi unânime e considerou que a Lei nº 17.719, de 2021, violou a Constituição Federal. Na decisão, os desembargadores ainda citam precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) de que essa alteração deveria ser feita por meio de lei complementar (RE 940769).

Em nota, a Procuradoria Geral do Município de São Paulo informa que a alteração tem “firme sustentação” no princípio constitucional da capacidade contributiva de observância obrigatória na instituição de qualquer tributo. E espera que a questão seja definida, em sede recursal, pelo STF ou em incidente de inconstitucionalidade suscitado pela 15ª Câmara de Direito Público junto ao Órgão Especial do próprio TJSP.

Fonte: Tancler Ambiel/Valor Econômico.

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Manipulação de resultados atinge a série B do Campeonato Brasileiro: como manter a integridade e acabar com o match fixing?

O Ministério Público de Goiás (MPGO) realizou, nesta terça-feira (14), uma operação que investiga um grupo suspeito de manipular resultados de partidas da Série B do Campeonato Brasileiro de 2022 para lucrar com apostas esportivas de valores altos. De acordo com o órgão, jogadores profissionais teriam participado do esquema, que movimentou mais de R$ 600 mil.

A manipulação de resultados não é um problema exclusivo do Brasil e vem crescendo exponencialmente, ao passo em que as apostas esportivas ganham cada vez mais adeptos. Essa prática criminosa é um dos maiores problemas presentes no esporte atualmente, afetando, principalmente, a sua integridade.

A Genius Sports é uma empresa de tecnologia e coleta de dados que presta serviços de integridade para inúmeras ligas e federações mundo afora, incluindo a Premier League. Com sua tecnologia avançada e imensa base de dados consegue monitorar em tempo real os mercados oferecidos pelas casas de apostas globalmente, o que lhe permite identificar quando o volume de apostas em algum evento está destoante do usual e, com isso, notificar as autoridades competentes para investigação mais a fundo sobre a possibilidade de um evento esportivo estar sendo manipulado.

A operação, denominada ‘Penalidade Máxima’, foi realizada em seis cidades: Goiânia (GO), São João del-Rei (MG), Cuiabá (MT), São Paulo (SP), São Bernardo do Campo (SP) e Porciúncula (RJ). O MPGO não informou se alguém foi detido.


Para o advogado especialista em direito desportivo Eduardo Ambiel, e sócio do escritório Tancler Ambiel Advogados: "a prática atualmente tem sido denunciada, inclusive pelo Ministério Público goiano e outras autoridades competentes, e acontece através das plataformas online de apostas, que tem base e matriz fora do Brasil. Assim, apostadores brasileiros utilizam-se de associação criminosa a fim de combinar resultados e oferecer vantagem em dinheiro aos atletas que aderirem ao esquema, no chamado match fixing".

Foram expedidos pela 2ª Vara Estadual dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa e Lavagem ou Ocultação de Bens Direitos e Valores nove mandados de busca e apreensão e um de prisão. Não foi informado se algum dos investigados foi detido.

Segundo o MPGO, as manipulações ocorriam, por exemplo, com a negociação para que jogadores cometessem pênalti no primeiro tempo das partidas. Os jogadores envolvidos recebiam parte dos ganhos, caso o pedido fosse concretizado com êxito. Cada atleta ganhou aproximadamente R$ 150 mil por aposta.

Os investigadores contaram que os apostadores realizaram apostas casadas de pênaltis em três jogos: Vila Nova x Sport, Tombense x Criciúma e Sampaio Correia x Londrina. As três partidas em apuração ocorreram na 38ª rodada da Série B, no dia 6 de novembro.

No primeiro tempo da partida Sampaio Corrêa x Londrina, houve pênalti para o Londrina, que foi marcado com recurso de vídeo (VAR). O mesmo aconteceu na partida Criciúma x Tombense.

Em comunicado oficial, Vila Nova e Sampaio Corrêa, dois dos clubes com jogadores envolvidos no esquema, disseram que apoiam as investigações.

Destas três partidas, apenas em Vila Nova x Sport não houve a marcação da penalidade máxima. Diante da falta de êxito, o jogador do Vila participante do esquema passou a ser cobrado pelo grupo, uma vez que teria recebido um sinal de R$ 10 mil. O Vila Nova atua como denunciante no caso.

Os envolvidos podem responder por diversos crimes, entre eles: associação criminosa, ocultar ou dissimular a origem de bens e dar ou prometer vantagem patrimonial, ou não, com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva. 

Fonte: Tancler Ambiel Advogados/Lei em Campo